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domingo, 24 de fevereiro de 2019

A VISÃO CRISTÃ SOBRE O PROBLEMA DO MAL


Por: Dr. João Batista Costa Gonçalves

É propósito do presente artigo analisar o problema do mal sob uma perspectiva cristã, considerando as teorias mais destacadas que se erguem contra este tipo de abordagem.

A questão que sempre se levanta como desafio ao Cristianismo, quando se trata sobre o problema do mal, repousa na admissão da existência de um Deus bom e onipotente. Noutros termos, parece difícil, como argumentam o filósofo grego Epicuro e, mais recentemente, o filósofo empiricista David Hume, conciliar o seguinte dilema: se o mal existe contrariamente à bondade de Deus, então ele não seria onipotente. Se, por outro lado, Deus é um ser onipotente e bom, por que permite a existência do mal?

A partir do raciocínio supracitado, três indagações podem ser suscitadas: 1) se o mal existe, seria ele obra de deus? 2) a existência do mal descaracteriza deus como um Ser totalmente bom e onipotente? 3) com que propósito Deus permitiria a existência do mal? Doravante, tentamos trazer luzes a estas três questões.

Quanto à primeira indagação que diz respeito à origem do mal, poderíamos pensar com Santo Agostinho e afirmar que Deus, sendo o Sumo Bem, não poderia ter criado o mal? Segundo o bispo de Hipona, o mal seria concebido como a privação ou desvio do bem. Assim como a escuridão não é algo positivo, mas simples ausência da luz, o mal é a ausência do bem. O mal não teria existência autônoma, como afirma a filosofia maniqueísta ao dizer que o mal seria a matéria. Ao contrário, o mal seria um parasitário sobre o bem, identificado como um não-ser.

A doutrina agostiniana sobre a origem do mal, por outro lado, não nos conduz a crer, como se poderia supor, que o mal seria algo irreal e, por isso mesmo, negligenciável. Pelo contrário, o objetivo da doutrina é acentuar ainda mais a questão da procedência do mal.

Passemos à segunda indagação, ou seja, saber se a presença do mal constitui uma barreira insuperável para a crença em um Deus bom e onipotente. Antes, porém, cumpre estabelecer a diferença, conforme legada por Leibniz, entre o mal físico, que seria o sofrimento e a dor, tanto física como mental, e o mal moral, que seria a perversidade humana, ou na linguagem cristã, o pecado.

A par desses conceitos, podemos iniciar a discussão sobre a segunda questão, considerando o mal moral. A tradição cristã sobre encarou o mal moral em relação à liberdade e a responsabilidade do homem. Deus teria criado o homem não como um autômato, mas como um ser apto para agir correta ou erroneamente. O mal, por assim dizer, seria o uso errado que o ser humano faz do seu livre-arbítrio.

Em contraposição, um opositor argumentaria que Deus poderia ter escolhido criar homens livres e sempre inclinados a agir corretamente. Ocorre que esses seres constituem possibilidade lógica irreal, pois Deus concebeu o homem como criatura possuidora de liberdade moral, embora fosse capaz de criar seres de toda e qualquer espécie. Se Deus projetasse nas pessoas o traço de liberdade e capacidade para sempre agir de forma infalível, estas seriam qualquer outra coisa, menos pessoas. Ora, nada que resulte em contradição aos planos de Deus pode ser incluído na sua onipotência.

A pergunta imediata que poderia ser formulada era: por que Deus não criou esses seres, ao invés de pessoas? A fé bíblica responde afirmando que Deus criou o homem com o propósito de ter com ele uma relação pessoal e genuína e espontânea, o que não seria possível em outros termos.

E quanto ao mal físico?  Pode-ser afirmar que ele guarda estreitos laços com o mal moral, em razão de que grande parte do sofrimento que aflige a humanidade é fruto do próprio pecado do homem. E o que pode ser dito do sofrimento causado por forças externas, independentes da vontade humana? É lícito afirmar que o Cristianismo nunca declarou que Deus, depois da queda do homem, tinha o objetivo de criar o mundo para ser um palco paradisíaco onde a raça humana pudesse usufruir de todos os prazeres e estar aliviada de todas as dores. A esperança do cristão é que uma nova ordem de coisas seja instituída, na qual não haverá mais sofrimento e dor.

É bom que se diga, por outro lado, que, embora o mal esteja aqui e seja real, ele não foge do controle de Deus. O mal é temporário, ele será destruído. E Deus não poderia acabar de uma vez por todas com o mal que está no mundo? A resposta é afirmativa. Deus, porém, não resolve destruir o mal no presente instante porque fazê-lo implicaria a destruição da própria humanidade, já que o mal lhe é inerente. O propósito divino é da oportunidade  a todos os homens de escolher o bem, o que só se dará, nas palavras do apóstolo Paulo, pela aceitação da justiça de Deus através da fé em Jesus Cristo.

Partimos finalmente para a última  indagação. Qual a finalidade da existência do mal? A forma cristã de pensar sobre esta questão é dizer que em relação aos cristãos, Deus permite o mal como forma de conduzi-los no caminho da santidade. Em melhores termos, Deus permite que cristãos passem por sofrimento e dor porque, para o desenvolvimento das virtudes espirituais, como o amor e a paciência, é necessário vivenciar experiências adversas. Em relação aos não-cristãos, o objetivo do sofrimento é ser um meio, como declara C. S. Lewis, de Deus despertar o homem para a existência de um Deus bondoso e misericordioso. 

Extraído do Jornal Trombeta de Sião, Ano 01 - Número 11. - Outubro de 1998


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